A integração da América do Sul é um mito que se corporifica em uma utopia de um cenário intangível ou é uma valor concreto para a formação de uma sociedade com valores éticos, transparentes, solidários e convergentes?
Sem que isto possa se constituir em constrangimento, não há ainda na região uma sólida e alavancadora cultura da integração. É um equívoco o não envolvimento mais amplo e contínuo dos diversos segmentos da sociedade neste processo, pois em um intervalo de tempo bem mais curto do que possa ser imaginado, os reflexos nos campos econômico, social, ambiental, educacional e cultural, além da própria infraestrutura física, serão sentidos.
O nível da integração de uma região, dependendo de seu projeto estratégico, produz efeitos positivos ou negativos, e um dos indicadores a serem construídos e permanentemente avaliados é o do “custo do não fazer”.
O outro indicador que afeta também o desenvolvimento harmônico regional é aquele que embora haja a disposição de fazer, o resultado alcançado é zero. Exemplificando, se o tempo dedicado a um processo tem a nota máxima, valor dez,os fundamentos também são positivos, valor dez, mas se os interlocutores ou critérios não eram os adequados, valor zero, portanto o resultado será 10 X 10 X 0 = 0.
Alguns cenários levam setores públicos e privados a não acreditar que se possa concretizar a curto ou médio prazo a integração da América do Sul e se alcance um patamar como o da Europa, que acaba de estruturar com o Tratado de Lisboa a eleição de um Presidente e um Ministro de Relações Exteriores da União Europeia, sem a perda das identidades de cada país, mas construindo a convergência.
O Comitê das Rotas de Integração da América do Sul, o CRIAS, pensa de modo diferente.
Constituído para avançar na consolidação de corredores ligando os oceanos Atlântico e Pacífico quando da visita do Presidente Chileno Eduardo Frei Ruiz-Tagle ao Brasil em 1996, evolui de forma tão rápida que em 1999 já tinha abrangência aos 12 países sul-americanos, antecipando-se à constituição da entidade oficial, IIRSA – Iniciativa da Integração da Infra-Estrutura Regional Sul-Americana, formada pelos governos no ano 2000.
O CRIAS é uma iniciativa do setor privado, como foi dito, de caráter voluntário e sem fins lucrativos, formado por representantes de organizações privadas e que conta em seus eventos com participantes dos governos e organismos públicos da América do Sul, das entidades de fomento BID, CAF, BNDES, Fonplata, de organizações continentais como ALADI e da CEPAL, bem como da Academia, entre outros.
Sua estrutura é a de um pentagrama, tendo em seus vértices a Presidência e a Secretaria, os Modais Técnicos, o Plenário, o Conselho Temático e o Congresso. Ainda como componente técnico possui o Grupo de Trabalho, PIFEC – Processos de Integração Física, de Energia e de Comunicações.
A forma operacional do CRIAS se constitui em modelo moderno e pioneiro reconhecido internacionalmente, onde setor privado/sociedade civil, representantes governamentais, de entidades de fomento e da academia reúnem-se para debater os temas da integração sul-americana.
No mês de outubro realizou-se o VII Congresso Internacional das Rotas de Integração da América do Sul, em Porto Alegre, Promovido pelo CRIAS, onde durante seus dois dias mais de uma centena de especialistas e autoridades debaterem o tema e sob uma ótica ainda mais inovadora.
O CRIAS inovou ao elaborar um programa onde além das questões da infraestrutura física, de energia e de comunicações dos sete modais – aéreo – comunicações – energia – ferroviário – hidroviário/portuário – rodoviário e logística – introduziu a análise das políticas públicas nos campos econômico, social, ambiental e educacional e que teve como macro-objetivo definir linhas de um planejamento estratégico que integrasse estruturalmente o setor privado, onde o CRIAS é com certeza um de seus protagonistas, com a componente técnica oficial, a IIRSA, e desta com a componente política dos governos, a UNASUL, União das Nações da América do Sul, em fase de implantação.
Além do Marco Institucional aprovado por aclamação, o VII Congresso originou 48 conclusões e recomendações que estão sendo encaminhadas aos governos, entidades de fomento, organismos públicos, às universidades e aos organismos de ação continental.
Há questões não apenas de natureza técnica para uma programação contínua nos dez eixos de integração e desenvolvimento, os chamados projetos consensuados no âmbito da IIRSA, e que são complementados por ações dos países onde o Brasil desenvolve projetos de envergadura em seus limites territoriais e que se integram aos em implantação nos demais países. Há projetos técnicos de menor porte mas que se refletem em atividades alavancadoras e que produzirão resultados comuns a mais de dói países.
Há temas de natureza operacional já acordados entre países, como no caso do Mercosul, onde a bilateralidade com países de outras regiões fica condicionada à extensão aos países membros e à questão da tarifa aduaneira comum, e que alguns segmentos consideram como gargalos a serem estruturados e que possam produzir, quando resolvidos, resultados que fortaleçam a região.
O texto básico apresentado pelo CRIAS contém em um dos seus tópicos a analise do cenário comparativo da qualidade em infraestrutura entre as regiões da Europa e América do Norte, Ásia-Pacífico, Oriente Médio e Norte da África, América Latina e Caribe e a África Sub Saara. Pois aí surge um alerta.
Nestas cinco regiões, a nossa ocupa a quarta posição em quatro indicadores e a quinta e última posição em um dos indicadores. Há que pensar.
Mas a integração não se resume aos aspectos de infraestrutura física ou de legislação em acordos como os do Mercosul. Há um cenário muitíssimo mais amplo que carece de imediatas ações na área das políticas públicas nos campos econômico, social, ambiental, educacional e cultural.
Não devemos considerar que estes temas não nos afetam nos fatos do dia a dia ou do futuro próximo. No campo econômico caminha-se para um estado regulador ou controlador? No campo social, de uma maneira simples, as políticas publicas se dirigem a ensinar a pescar ou a dar o peixe? Quanto à questão ambiental, os radicalismos são mais fortes que a ética e o aprendizado ambiental? O tema educacional está sendo conduzido de modo a que os professores e alunos sejam capacitados a pensar e aplicar o conhecimento ou o modelo “robotizador” está saindo vencedor? Valores e fundamentos culturais estão sendo construídos direcionados para uma sociedade convergente e congruente e de respeito mútuo entre seus diversos componentes?
O CRIAS, ao trazer de forma conjunta para um fórum desta amplitude análises dos temas da infraestrurtura física e das políticas públicas na economia, no social, no ambiental, no educacional, não inova simplesmente. Consolida uma forma pioneira de integração, e elaboram-se no VII Congresso caminhos para as questões anteriormente formuladas.
E o faz ainda com uma composição de fundamentos, processos e princípios convergentes e congruentes que poderão se constituir, se houver vontade política, no embasamento de um projeto de planejamento estratégico.
A imprescindibilidade de os governos dos 12 países pensarem em termos de políticas de estado permanentes e antes de debater divergências elencar as convergências e seguir neste rumo é uma fórmula bastante simples de fortalecer a região ante crises, sejam elas cíclicas ou acidentais, pois como já se dizia no tempo dos fenícios, quando se tem um rumo, todos os ventos são favoráveis.
Sempre é bom lembrar que a visão sistêmica e de futuro já demonstrou que esquerda e direita, grande ou pequeno, rico ou pobre em recursos naturais não são mais as forcas que conduzem ao desenvolvimento harmônico. O que constrói o desenvolvimento sustentável é sermos rápidos, competentes e competitivos. O que foi construído neste evento que reuniu representações de 11 dos 12 países da América do Sul comprovou esta assertiva.
Revista Best Home, 23ª edição. P. 123-126